Encontrei seu olhar e mergulhei
Me aproximei
Sorri de volta com o olhar
Conversas e encantamentos
Era só um encontro
Uma noite de diversão, mas...
Mantive alguma distância...
Dia começou com o whatsapp "pipocando" demandas de trabalho
Imbróglios da vida pessoal se acumulando
Vazios, esses velhos conhecidos, saltando às mãos que suavam
Em meio ao despertar turbulento me arrumei e saí
Fui trabalhar
Diário, em algum momento, leio as principais notícias do dia
Hábito de décadas.
E no Correio Braziliense lá estava a manchete que embrulhou tudo por dentro.
"Segurança morre e cinco pessoas são baleadas em bar, no Riacho Fundo"
Até aí nada novo e poderia ter me mantido incólume diante da notícia.
Seria mais um dos "Assassinatos sem a menor importância"...
Mas aquele suor nas mãos se intensificou
Meu coração ficou acelerado e apertado
Um angústia pregressa me fez clicar
Eu quis ler aquela notícia.
Abri.
"Segundo investigação da Polícia Civil, o segurança foi morto
ao tentar impedir um cliente de sair do local sem pagar a conta."
Sem nenhuma garantia ele ofereceu o próprio corpo como escudo
Com o objetivo de defender o capital do dono do bar
Ele se colocou na linha de frente e tombou
O "cliente" saiu sem pagar a conta
Ele vestia roupas pretas e deixou o local caminhando
Seguiu em direção ao Núcleo Bandeirante
A empresa se "manifestou por meio de notas nas redes sociais"
E as aspas aqui demarcam a ironia contida na repetição dessa frase vazia
"Lamentamos..."
"Nos solidarizamos...."
"Repudiamos veementemente o ocorrido..."
"Vamos reforçar a segurança do local..."
Nenhuma palavra sobre indenizar a família do trabalhador
Alçado a herói no vazio discurso das redes sociais
Nenhuma palavra sobre uma mínima, que seja, reparação
O local voltará a abrir com outros trabalhadores em situações precarizadas
Outros que precisam, igualmente, arriscar a própria pele para viver
Eu chorei e sei que minha angústia nada pode
Como não se revoltar com essa lógica tacanha do capital
Nem vou usar interrogação aqui porque já não to acreditando mais nem nas regras gramaticais
Quando chega a hora da visita ir embora a acompanhamos até a porta e depois entramos.
Quando fostes a primeira vez eu chamei outras visitas, não queria lidar com a quietude da casa vazia.
Percebi que o barulho em volta evidenciava o eco do vazio que ainda estava ali
Era impossível não ouvir o seu silêncio.
Por isso, desta vez, eu fechei a porta e entrei sozinha
Aqui dentro me enrolei em um cobertor de sentimento e poesia
A mim me parece a única maneira de decantar
Encarar o vazio e ver os caminhos restantes
Por onde seguir
Como em Travessia, quando Milton Nascimento, escolhe as palavras para apontar uma faísca de vida que nunca o abandonou, eu me agarro repetidamente àqueles versos, jamais pela literalidade deles. Não há literalidade possível na poesia, mas pelos caminhos possíveis para a travessia
Somente a poesia limpa essa névoa e me lembra que não sei o caminho, mas há caminhos...
Sigo aqui recolhida dentro de mim
Já não quero receber visitas nesse momento
Quero apenas me abraçar forte e deixar a poesia me levar aos cantinhos menos iluminados de meu inconsciente...
Sentir
Já fostes.
A partir do celular partilhei minha dor com algumas pessoas
Mensagens, ligações e ele...
O algoritmo, atento, tomou as rédeas
Todos os dias passou a me enviar uma frase, uma oferta de autoajuda
Uma pseudo ajuda. Algumas para vender cursos, outras para vender terapias diversas.
Hipocrisia que até irrita!
Em um desses conselhos de internet estava escrito:
"É preciso muita maturidade para ser quebrado ao meio e sofrer sem fazer barulho".
Sofrer calada...
...
...
O preço de demonstrar fragilidade nesse mundo instagramável é alto demais.
Você está sofrendo? Por isso? Você é maior que isso!
Que bobagem, leia autoajuda, se empodere e siga para a próxima estação!
Quanta mentira!
Quanta bobagem fingir que não sente.
Performar perfeição
Me quero imperfeita.
Quero gritar minha dor
Em palavras
Pinceladas
Gritos
Conversas
Abraços
Beijos
Cheiros
Gostos
Por que sofrer calada e quietinha enquanto quero gritar a dor de um peito rasgado?
Desnudar minha alma
Derramar a água turva que carrego
Largar meu corpo nessa mesma água que transborda de meus olhos!
Assumir a dor não me faz menor
Assumir que estou quebrada me lembra que sou frágil.
De carne, vísceras e fluídos
Me lembra que sou breve
Que quero sentir a vida sem anestesia
Enquanto sangrar, eu vou gritar
De alguma forma.... eu vou gritar!
Mas não se preocupe
Esse tipo de barulho não vai te incomodar
Ele só é partilhado com quem sabe ouvir o silêncio
O sofrer é sozinha
A elaboração desse sofrimento pode ser partilhada
Com aquelas que caminham conosco
Com quem não tem medo de se assumir frágil e breve
Com quem, de verdade, partilha travessias.
Tá sangrando. Me dê a mão.
Lillith
24.04.23
Na atitude do outro é fácil reconhecer o egoísmo
Na atitude do outro é fácil reconhecer limitações
Desafio é entender quando somos egoístas em nome da liberdade
Desafio é entender que, na relação com o outro, existem limites
Limites, que se compreendidos, ampliam nossa própria liberdade
Liberdade sem atenção ao outro é solidão
É silêncio
Não falo da solidão que estrutura nossa própria existência
Essa é alicerce
Falo de isolamento
Da incapacidade de nos relacionarmos
Da solidão ocasionada da impossibilidade de ouvir o outro
Se não ouço, esse outro para mim não existe
Silêncio
Ruídos
Eu só queria um lugar para repousar
Deixar de sentir tanta angústia
A caminhada sob o sol do deserto
Segue sem descanso
Segue sem trégua
Sem sombras
Sem alentos
Sem abraços abrigos
Tenho sede
Mas com o coração exausto
Sigo a sonhar com um oásis
Ele há de chegar
Há de haver um lugar para repousar
Sem espinhos
Sem farpas
Com afeto
Travessia
Queria te ver parar
Contemplar
Ouvir teu silêncio
Compartilhar o mesmo ar
Estar
Encontrar o ponto onde repousa o olhar
Kairós
Apaixono-me por ti
Ao perceber o desejo em seu olhar
O querer estar
Inteiro
Não quero medir meu desejo
Desejo
Imersa
Estou
Até que inesperadamente
Levanta-te
Já não estás
Seu olhar vagueia
Já não reflete a paisagem
Um lago de águas claras que se turvam
Chronos
Seus passos te levam
Distante contemplo
Silêncio
Já não estás
Estou
E ainda queria te ver parar
Lembrança
(Brasília, 12.04.22)
Suas palavras encadeadas desenham a poesia que me transporta
Me leva ao poderoso instante
em que o céu beija o mar
E em que a lua, inteira,
se
desdobra sobre os dois.
Inunda-os.
Daqui, do meu des(conhecido) não-lugar,
estremeço.
Sou inundada pela luz prata que emana de sua voz.
Em reverberações e
reflexos - sem reflexões-, me entrego ao ritual.
Cada centímetro de minha pele goza.
Suada e inteira
me conecto ao inteiro
que me chega de ti.
Minha respiração encontra o ritmo das
ondas.
Das mesmas ondas que se entregam ao luar e recebem dele todo
o brilho.
Sei que a mesma lua que te banha, me penetra.
Te ouço, te sinto, te
engulo.
Talvez, tenha sido iniciada em seu ritual.
Lillian, 14/12/2021
Daqui de dentro, meu passado parece distante demais.
O futuro ainda vislumbro em desfoque. Um borrão.
Jamais estive tão presente.
Justo agora que estou tão cercada de ausências.
Nunca foi destino.
Sempre foi travessia.
É na encruzilhada que a vida acontece.
Goiânia, dezembro de 2020.