segunda-feira, outubro 14, 2024

Se você morrer direitinho seu patrão ficará rico mais rápido

Dia começou com o whatsapp "pipocando" demandas de trabalho
Imbróglios da vida pessoal se acumulando
Vazios, esses velhos conhecidos,  saltando às mãos que suavam
Em meio ao despertar turbulento me arrumei e saí
Fui trabalhar 
Diário, em algum momento, leio as principais notícias do dia
Hábito de décadas. 
E no Correio Braziliense lá estava a manchete que embrulhou tudo por dentro.

"Segurança morre e cinco pessoas são baleadas em bar, no Riacho Fundo"

Até aí nada novo e poderia ter me mantido incólume diante da notícia.

Seria mais um dos "Assassinatos sem a menor importância"... 

Mas aquele suor nas mãos se intensificou
Meu coração ficou acelerado e apertado
Um angústia pregressa me fez clicar
Eu quis ler aquela notícia. 

Abri. 

O trabalhador em questão tinha 23 anos
Estava ali para fazer um freela e complementar a renda da família 
Cotidiano conhecido da maior parte dos trabalhadores brasileiros
O que arrebatou e arrebentou meu coração nessa notícia foi a frase:

"Segundo investigação da Polícia Civil, o segurança foi morto 
ao tentar impedir um cliente de sair do local sem pagar a conta."

Sem nenhuma garantia ele ofereceu o próprio corpo como escudo
Com o objetivo de defender o capital do dono do bar
Ele se colocou na linha de frente e tombou

O "cliente" saiu sem pagar a conta
Ele vestia roupas pretas e deixou o local caminhando 
Seguiu em direção ao Núcleo Bandeirante

A empresa se "manifestou por meio de notas nas redes sociais"
E as aspas aqui demarcam a ironia contida na repetição dessa frase vazia
"Lamentamos..."
"Nos solidarizamos...."
"Repudiamos veementemente o ocorrido..."
"Vamos reforçar a segurança do local..."

Nenhuma palavra sobre indenizar a família do trabalhador
Alçado a herói no vazio discurso das redes sociais
Nenhuma palavra sobre uma mínima, que seja, reparação
O local voltará a abrir com outros trabalhadores em situações precarizadas
Outros que precisam, igualmente, arriscar a própria pele para viver
Eu chorei e sei que minha angústia nada pode

Como não se revoltar com essa lógica tacanha do capital
Nem vou usar interrogação aqui porque já não to acreditando mais nem nas regras gramaticais


terça-feira, abril 02, 2024

Já fostes e eu entrei

Quando chega a hora da visita ir embora a acompanhamos até a porta e depois entramos.
Quando fostes a primeira vez eu chamei outras visitas, não queria lidar com a quietude da casa vazia.
Percebi que o barulho em volta evidenciava o eco do vazio que ainda estava ali
Era impossível não ouvir o seu silêncio.
Por isso, desta vez, eu fechei a porta e entrei sozinha

Aqui dentro me enrolei em um cobertor de sentimento e poesia
A mim me parece a única maneira de decantar 
Encarar o vazio e ver os caminhos restantes
Por onde seguir

Como em Travessia, quando Milton Nascimento, escolhe as palavras para apontar uma faísca de vida que nunca o abandonou, eu me agarro repetidamente àqueles versos, jamais pela literalidade deles. Não há literalidade possível na poesia, mas pelos caminhos possíveis para a travessia

Somente a poesia limpa essa névoa e me lembra que não sei o caminho, mas há caminhos... 
Sigo aqui recolhida dentro de mim
Já não quero receber visitas nesse momento
Quero apenas me abraçar forte e deixar a poesia me levar aos cantinhos menos iluminados de meu inconsciente...

Sentir
Já fostes. 

quinta-feira, maio 25, 2023

Silêncio

Já não vejo sentido falar sobre minha dor. 
Ela permanece a rasgar meu peito
Mas o passar das horas me fez aceitar essa presença
Já não faz mais sentido gritar tanto
Não alivia
Nada alivia!
Abraço a dor.
Não sinto mais forças para lutar contra ela
Aprendo com ela
Nunca a quis, mas acolho
Vou buscar o silêncio para ouvir o que ela me diz
E descobrir por onde vou



segunda-feira, abril 24, 2023

O sofrer é sozinha

A partir do celular partilhei minha dor com algumas pessoas
Mensagens, ligações e ele... 
O algoritmo, atento, tomou as rédeas
Todos os dias passou a me enviar uma frase, uma oferta de autoajuda
Uma pseudo ajuda. Algumas para vender cursos, outras para vender terapias diversas.

Hipocrisia que até irrita! 

Em um desses conselhos de internet estava escrito:
"É preciso muita maturidade para ser quebrado ao meio e sofrer sem fazer barulho".

Sofrer calada... 

...

...

O preço de demonstrar fragilidade nesse mundo instagramável é alto demais.
Você está sofrendo? Por isso? Você é maior que isso! 
Que bobagem, leia autoajuda, se empodere e siga para a próxima estação!

Quanta mentira! 
Quanta bobagem fingir que não sente. 
Performar perfeição

Me quero imperfeita.
Quero gritar minha dor
Em palavras
Pinceladas
Gritos
Conversas
Abraços
Beijos
Cheiros
Gostos

Por que sofrer calada  e quietinha enquanto quero gritar a dor de um peito rasgado?
Desnudar minha alma
Derramar a água turva que carrego 
Largar meu corpo nessa mesma água  que transborda  de meus olhos!

Assumir a dor não me faz menor
Assumir que estou quebrada me lembra que sou frágil.
De carne, vísceras e fluídos

Me lembra que sou breve
Que quero sentir a vida sem anestesia
Enquanto sangrar, eu vou gritar
De alguma forma.... eu vou gritar! 

Mas não se preocupe
Esse tipo de barulho não vai te incomodar
Ele só é partilhado com quem sabe ouvir o silêncio

O sofrer é sozinha

A elaboração desse sofrimento pode ser partilhada 
Com aquelas que caminham conosco
Com quem não tem medo de se assumir frágil e breve

Com quem, de verdade, partilha travessias. 

Tá sangrando. Me dê a mão. 

Lillith
24.04.23



quinta-feira, janeiro 05, 2023

Dos ruídos da existência

Na atitude do outro é fácil reconhecer o egoísmo

Na atitude do outro é fácil reconhecer limitações

Desafio é entender quando somos egoístas em nome da liberdade 

Desafio é entender que, na relação com o outro, existem limites

Limites, que se compreendidos, ampliam nossa própria liberdade

Liberdade sem atenção ao outro é solidão 

É silêncio

Não falo da solidão que estrutura nossa própria existência

Essa é alicerce

Falo de isolamento

Da incapacidade de nos relacionarmos

Da solidão ocasionada da impossibilidade de ouvir o outro

Se não ouço, esse outro para mim não existe

Silêncio

Ruídos 


terça-feira, setembro 20, 2022

2022

Eu só queria um lugar para repousar

Deixar de sentir tanta angústia

A caminhada sob o sol do deserto

Segue sem descanso

Segue sem trégua

Sem sombras

Sem alentos

Sem abraços abrigos 

Tenho sede

Mas com o coração exausto

Sigo a sonhar com um oásis

Ele há de chegar

Há de haver um lugar para repousar

Sem espinhos

Sem farpas

Com afeto

Travessia




quarta-feira, abril 13, 2022

Encontros efêmeros


Queria te ver parar
Contemplar
Ouvir teu silêncio
Compartilhar o mesmo ar
Estar
Encontrar o ponto onde repousa o olhar

Kairós

Apaixono-me por ti
Ao perceber o desejo em seu olhar
O querer estar
Inteiro
Não quero medir meu desejo

Desejo

Imersa
Estou

Até que inesperadamente
Levanta-te
Já não estás
Seu olhar vagueia
Já não reflete a paisagem

Um lago de águas claras que se turvam

Chronos

Seus passos te levam
Distante contemplo
Silêncio
Já não estás
Estou
E ainda queria te ver parar

Lembrança


(Brasília, 12.04.22) 




terça-feira, dezembro 14, 2021

mar, cielo y luna

 

Suas palavras encadeadas desenham a poesia que me transporta
Me leva ao poderoso instante
em que o céu beija o mar
E em que a lua, inteira,
se desdobra sobre os dois.
Inunda-os.
Daqui, do meu des(conhecido) não-lugar, estremeço.
Sou inundada pela luz prata que emana de sua voz.
Em reverberações e reflexos - sem reflexões-, me entrego ao ritual. 
Cada centímetro de minha pele goza.
Suada e inteira me conecto ao inteiro
que me chega de ti.
Minha respiração encontra o ritmo das ondas.
Das mesmas ondas que se entregam ao luar e recebem dele todo o brilho.
Sei que a mesma lua que te banha, me penetra.
Te ouço, te sinto, te engulo.
Talvez, tenha sido iniciada em seu ritual.

Lillian, 14/12/2021

segunda-feira, dezembro 07, 2020

Encruzilhada








Daqui de dentro, meu passado parece distante demais. 
O futuro ainda vislumbro em desfoque. Um borrão.
Jamais estive tão presente.
Justo agora que estou tão cercada de ausências.
Nunca foi destino.
Sempre foi travessia.
É na encruzilhada que a vida acontece.


Goiânia, dezembro de 2020.





terça-feira, outubro 13, 2020

Você, Caymmi e aquele domingo de manhã em Itapuã




Você atravessou a rua para ir até a estátua de Dorival Caymmi. Nem me lembro o que foi fazer lá, só sei que fotografei você em meio a beleza e ao caos de Itapuã. Carros, mar, sol, suor, vento, pagodão, funk e você a atravessar a rua em câmera lenta. Você estava tão bonito aquele dia que se soubesse estragaria tudo, então, me calei e só contemplei. 

A fotografia ainda guardo em meio a tantas outras em meu celular, mas o mais bonito registro daquele dia está em minha memória. Porque é onde sua imagem se mistura ao gosto de cerveja da sua boca, às  memórias de seus lábios macios. Aquele cheiro de luxúria, bem querer e boemia. Você estava tão falante, até mais que o normal. Falava tanto, tanto, tanto que até eu que também sou verborrágica, me fiz contemplativa. Eu te ouvia, um pouco bêbada e era domingo de manhã. Eu desejei permanecer ali, naquela mistura de sol, areia, suor, ressaca e trocas intensas.  

Mas sempre soube que não permaneceria. Não! Você já havia dito que não. Depois disse que sim. Eu já havia dito que não. Depois disse que sim. Nós já tínhamos combinado que não e nunca que sim. Então, não! Seria apenas quando desse, se desse até porque nem todos os encontros eram poéticos como aquele. Você é caos. Confusão e gritaria. Era e não era. E minha impaciência me despertou para alguma sensatez. 

Mas não naquele dia. Aquele dia era a despedida, mas ninguém de nós sabia. Tinha um quê de despedida, um gosto de despedida, mas ninguém de nós sabia! Tomamos uma, duas, três cervejas no café da manhã. A despedida não queria acontecer, mas depois de várias cervejas e alguns cigarros você entrou naquele ônibus e se foi. Eu voltei pra casa, pra cama que ainda tinha seu cheiro e esse cheiro nunca saiu de lá. Eu sai. Me mudei. Depois veio o carnaval e por fim o caos da pandemia. 2020!!!

Não nos vimos mais, nem sei dizer se voltaremos a nos encontrar. É 2020 e nenhuma previsão pode haver, mas agradeço tanto a beleza daquele último encontro.  Você e Dorival Caymmi na praia de Itapuã.  Mesmo que eu nunca mais repouse meu olhar em seus olhos profundos e nunca mais sinta a textura de seus lábios (e que saudade deles!), ainda assim terá sido um dos melhores últimos encontros dessa trajetória que é a vida. 

Não importa o que não deu certo, importa o que deu. O encontro aconteceu. Sou grata. Teu lugar em meu coração será sempre de acolhimento, moradia e afeto. Um viva aos afetos. Que  logo a vida volte a ser intensa! Que os olhares se entrelacem, que a gente volte aos abraços demorados. Que a vida volte a pulsar porque somos "amor da cabeça aos pés". 

Lillian