terça-feira, outubro 06, 2015

O que de ti ficou em mim

Talvez tenha sido com você que aprendi que amar é deixar partir. Que amor é liberdade! Ou, talvez (para ser mais honesta) eu nem tenha aprendido ainda, mas por certo foi com você que comecei a aprender. Sim, eu ardi de paixão por você! Acredito que logo na primeira conversa - eu tão menina e você falando de Foucault. A festa havia acabado e você me perguntou porque eu usava uma cruz invertida no pescoço,  comentou sobre minha roupa preta e disse ter gostado da minha meia arrastão. A madrugada  passou inteira em segundos e foi a primeira de tantas outras regadas a corpos entrelaçados, gozo, conversas intermináveis sobre Caetano, Doces Bárbaros, Filosofia, teatro e tantos outros assuntos que nos conectavam.  Me encantei por ti e esse encantamento durou bem mais que mil dias.

A verdade é que seus cabelos longos daquele tempo, os dedos magros e esguios como seu corpo, o olhar profundo e o sorriso frouxo  eram a moldura perfeita para alguém tão plural, encantador e doce.  Seguimos juntos e separados por semanas, meses e anos. Eram encontros e desencontros e um ardente desejo que me unia a você.  Sempre houve magia, sempre houve tesão, sempre houve querer e palpitação, mas nunca alimentamos  uma dessas paixões que preocupam, que desejam controlar o outro e que, como diria Fernando Pessoa, 'dão movimento demais aos olhos'. Nossos encontros sempre foram esporádicos, mas intensos. Em cada um deles, sentia o corpo em brasas e me enrolava em seus braços, mãos, pernas e cabelos.  Tudo era fluido. Você vinha e ia sem nunca permanecer. Essa falta de rotina me seduzia. Nunca houve espera, algumas vezes nasceram expectativas e ciúmes, mas nada me corroía a não ser o desejo que surgia quando meus olhos encontravam, entre tantos outros, seus olhos atentos e seu sorriso de canto de boca.

Era incontrolável. Um desejo imenso de engolir seu corpo e consumir suas energias. Seguimos assim, por tantos anos e muitos encontros regados a saliva, sêmen e suor. Até que um silêncio maior se estabeleceu e voltamos a nos reencontrar surpreendentemente sem beijos, nem gozo. Conversamos timidamente, eu disse tchau e fui embora. Levei comigo a dúvida: seria uma pausa ou o fim de um ciclo, o fim  do que teria sido nosso (in)constante setênio.  Não sei. Ainda não sei. Só sei que contra os ciclos da vida não é possível lutar e agora seguimos separados. Não trocamos mais olhares ardentes ou passamos madrugadas falando sobre Caetano.  Sei apenas que segues comigo, afinal deixaste muito de ti em mim. Hoje sou outra, mas  tenho uma certeza: eu te amei e ainda te amo,  como amei e amo outros de meus grandes amores: tranquilamente...

"(...)  pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
                   Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
                   Pagãos inocentes da decadência."

(Trecho do poema  'Vem Sentar-te Comigo Lídia' de Ricardo Reis/ FP)

terça-feira, setembro 08, 2015

Cheia de mim

Estou cheia
Cheia de euforia
Cheia de agonia
Cheia de tudo
... e de nada

Cheia de falar
Cheia de ouvir
Cheia de chorar
...e de sorrir

Estou derramando ...
me perdendo em meus próprios fluídos,
escapando de mim entre meus dedos...

Preciso entrar,
me aquietar aqui dentro.
Dar vazão aos excessos
Reencontrar meus vazios
Sossegar


... dos pensamentos de uma noite de chuva, de transbordamentos e angústias

Lillian
Araraquara, setembro de 2015