Não escrevo sobre o que quero
Escrevo sobre o que grito em silêncio
Estou há horas diante da tela branca
Não há letras que pintem o que não reverbera
O que não sangra em mim
Hoje, literalmente, sangro
Novamente passo as noites nessa cama de hospital
Dentro de mim, me inquieto e agradeço
Não entendo bem o que acontece em meu corpo
Nomes criados para designar condições de saúde
Nomes criados para designar doenças
Todos estranhos
Meu tão íntimo corpo se torna estranho
Autoimune
O sistema imunológico ataca (por engano) as células saudáveis do corpo
Por engano?
A vida toda me questionei sobre minha autosabotagem
Cedo descobri que essa autosabotagem era generalizada
Haveria algo que não quero ver?
Meu sistema imunológico responde com a uveíte
Fica difícil enxergar de modo geral
Haveria algo que não consigo digerir?
A resposta veio em complicações estomacais e intestinais
Haveria em mim dificuldades para circular?
Veio a SAF (nome complicado, sigla genérica)
A síndrome que obstrui o fluxo sanguíneo
Impede a passagem do sangue
Minha mente assume um estado de alerta
Alerta para o mundo externo e tudo que não quero ou consigo lidar
Alerta para o mundo interno e tudo que eu não consigo controlar
Meu corpo, tão íntimo e parceiro, se converte em algoz
Ele pode me sabotar
Ele sou eu
Eu posso me sabotar
Entro em estado de alerta para comigo mesma
Controle
Descontrole
Fluxos obstruídos
Estou imóvel nesta cama de hospital
A pensar como desobstruir tudo e fluir livremente vida afora
Corpo adentro
Fecho os olhos e ouço meus barulhos internos
São estrondosos
Há inquietude
Abro os olhos e fixamente olho para o quadro clichê que há na parede do hospital
Desligo a mente alguns instantes
Silencio.