terça-feira, agosto 19, 2025

Autoimune



Não escrevo sobre o que quero

Escrevo sobre o que grito em silêncio

Estou há horas diante da tela branca 

Não há letras que pintem o que não reverbera 

O que não sangra em mim 

Hoje, literalmente, sangro


Novamente passo as noites nessa cama de hospital

Dentro de mim, me inquieto e agradeço
Não entendo bem o que acontece em meu corpo 


Nomes criados para designar condições de saúde 

Nomes criados para designar doenças

Todos estranhos

Meu tão íntimo corpo se torna estranho


Autoimune
O sistema imunológico ataca (por engano) as células saudáveis do corpo

Por engano?

A vida toda me questionei sobre minha autosabotagem
Cedo descobri que essa autosabotagem era generalizada


Haveria algo que não quero ver?

Meu sistema imunológico responde com a uveíte
Fica difícil enxergar de modo geral


Haveria algo que não consigo digerir?

A resposta veio em complicações estomacais e intestinais


Haveria em mim dificuldades para circular? 

Veio a SAF (nome complicado, sigla genérica)
A síndrome que obstrui o fluxo sanguíneo

Impede a passagem do sangue 


Minha mente assume um estado de alerta

Alerta para o mundo externo e tudo que não quero ou consigo lidar

Alerta para o mundo interno e tudo que eu não consigo controlar 

Meu corpo, tão íntimo e parceiro, se converte em algoz
Ele pode me sabotar
Ele sou eu
Eu posso me sabotar
Entro em estado de alerta para comigo mesma 


Controle

Descontrole 

Fluxos obstruídos
Estou imóvel nesta cama de hospital

A pensar como desobstruir tudo e fluir livremente vida afora 

Corpo adentro


Fecho os olhos e ouço meus barulhos internos

São estrondosos 

Há inquietude
Abro os olhos e fixamente olho para o quadro clichê que há na parede do hospital

Desligo a mente alguns instantes
Silencio.