terça-feira, outubro 16, 2007

As roupas que não uso mais

Outro dia, um domingo desses, tentei vestir uma saia antiga, das que eu usava na época da faculdade - de retalhos, artesanal e com tecido cru. Completei com uma sandália de couro - também feita à mão e uma bata de tecido. Estava me preparando para trabalhar e, como costumo ir com roupas mais informais aos domingos para o jornal, pensei que esta seria uma vestimenta perfeita. Mas não. Parei diante do espelho e percebi que aquela não era mais eu. Eu me olhava, a imagem se mexia conforme eu me movia, mas não era eu.

Que pena, pensei! Eu gostava de mim daquele jeito. Do que vivi sendo a Lillian de longos cabelos trançados, sandálias de couro e batas artesanais. Mas não dava mais. Me senti meio estranha e não ficaria à vontade como antes. Tirei. Foi melhor. Vesti uma calça jeans, uma blusinha pequena - ao contrário das largas batas de antes - e uma sandália com um leve salto, o que antes seria imposssível. Saí. Agora parecia ser eu.

Só fiquei triste porque as mudanças no visual pareciam refletir transformações na alma. Gostava da menininha de antes, rebelde e sem grandes compromissos. Mas agora parecia não caber mais. Me sinto mulher, adulta, cheia de frustrações e compromissos. Olhei e minhas unhas estavam grandes e pintadas de vermelho. Deixei de resistir. Eu era outra, definitivamente!

Apesar de guardar em minh'alma a garota de antes, não a alimentava mais e nem podia. Ainda deixo ela gritar muitas vezes, dando lugar a um revezamento entre a garotinha e a mulher, ainda em fase de construção. E espero que a menininha não morra e, de vez em quando, vou tentar usar as roupas de antes. Quem sabe um dia deixe de ser estranho. Se for, as guardarei como guardo as doces, picantes, gostosas e saudosas lembranças dos tempos idos.

Um comentário:

Leandro Coutinho disse...

hehe
Você fez que não entendeu. Talvez não quando eu disse, mas se deparou com essa dualidade. Somos, sim, divíduos! Líllian é criança e mulher fatal. Medos e inseguranças de menina. Ousadia e firmeza nas atitudes. Menina que não sabe que guloseima levar. Mulher que deixa a saia adolescente para ascender ao salto.
Virou duas ao se tornar Líllian e Maria. Virou muitas: jornalista, mestranda, amiga, amante, amada, colega...
Não se preocupe, a menina não se vai. Permanece e vai ganhar ainda mais espaço na maturidade, quando vemos que não há necessidade de ceder a tantos pudores. Desde criança canto em voz alta no supermercado. Acho que isso é sinal de que estou velho (1/4 de século de vida).
A lida com o tempo exige mesmo sabedoria. E aprendemos vivendo. "Longe das cercas embandeiradas que separam quintas. No cume calmo do meu olho que vê assenta a sombra sonora de um disco voador."