segunda-feira, setembro 25, 2017

Gozo sonhado é gozo


Tem sido recorrente sonhar contigo. Talvez sonhe tanto, por ter assumido para mim mesma que amar nem sempre é estar junto e que a saudade pode ser boa conselheira. Sonhando eu expurgo os apegos e dou passagem para o que há de vir. Acordo sorrindo porque (quase sempre) são sonhos bons. Refletem a quietude e o prazer que sinto em sua companhia.

Raras vezes são ruins, mas quando isso acontece e acordo com vontade de jamais ter te conhecido, logo lembro que a vida é linda justamente pelas costuras tortas que faz e percebo que desejar fugir seria bobagem. Se, ao te conhecer, permiti que fizesse morada nos recôncavos mais profundos do meu coração há nisso tal singularidade e beleza que já não importam os caminhos que virão.

Sei que onde residem o amor, a quietude e o prazer também estão guardadas a dor, a angústia e as incertezas. É ali nos ocos mais profundos da alma que ficam todos esses sentimentos intensos. Lembro que quando mais jovem me deixava derrubar pelas tempestades a cada vez que remexia nessas zonas profundas. Vibrava de euforia na mesma intensidade em que me deixava abater por intensas tristezas.

A saída quase sempre era a fuga. Muitas vezes ainda é, não posso negar, o que mudou é que hoje já não corro da dor, da frustração e das incertezas. Tal qual o amor ou o gozo, as experimento em profundidade. É melhor controlar os raios e os ventos com a espada de fogo de Iansã que negar as tempestades. Sentindo os ventos revoltos é que comecei a experimentar o peso e a leveza dos amores não vividos.E você seguirá comigo.

Se há dor na ausência, há gozo na saudade. Nos sonhos, nas recordações. Nem todo amor é para ser vivido, nem todo gozo é para ser molhado. Te guardo na lembrança do abraço não dado, do beijo não trocado, dos lençóis não partilhados. Te guardo na calmaria de te lembrar em algumas de minhas canções favoritas, na voz da Maria Bethania, ou na poesia de Fernando Pessoa, que na voz de Ricardo Reis entoa:

"Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos, se quiséssemos trocar beijos e abraços e carícias, mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro ouvindo correr o rio e vendo-o". Seguirás comigo ainda que na distância. Seguirás nas profundezas que habitas e nem sabes. E é novamente nas palavras de Fernando Pessoa que te digo:

Gozo sonhado é gozo, ainda que em sonho.
Nós o que nos supomos nos fazemos,
Se com atenta mente
Resistirmos em crê-lo.
Não, pois, meu modo de pensar nas coisas,
Nos seres e no fado me consumo.
Para mim crio tanto
Quanto para mim crio.
Fora de mim, alheio ao em que penso,
O Fado cumpre-se. Porém eu me cumpro
Segundo o âmbito breve
Do que de meu me é dado.


(Ricardo Reis, 30.01.1927) 

Lillian. 

Nas ruas de Goiânia. Foto: Lillian Bento                                                             

sábado, março 04, 2017

Que sangre, escorra até estancar

É preciso olhar bem para a ferida
Deixar que o sangue escoe
Sentir a dor que pulsa
A lágrima que quente corre
Estar ali ainda quando o sangue secar
Quando a lágrima cessar
Sentir a dor e ver cicatrizar
Levantar e seguir por outro caminho
Estar pronta quando voltar o riso
Estar em paz para o outro dia
Os novos momentos
Os novos pulsar
Reconhecer o prazer de outros ventos
que tocam a pele
Das novas águas que correm no rio
Das novas carícias
Dos novos abraços
De outros beijos 


(Eu aqui... divagando porque gosto de vagar)