terça-feira, outubro 13, 2020

Você, Caymmi e aquele domingo de manhã em Itapuã




Você atravessou a rua para ir até a estátua de Dorival Caymmi. Nem me lembro o que foi fazer lá, só sei que fotografei você em meio a beleza e ao caos de Itapuã. Carros, mar, sol, suor, vento, pagodão, funk e você a atravessar a rua em câmera lenta. Você estava tão bonito aquele dia que se soubesse estragaria tudo, então, me calei e só contemplei. 

A fotografia ainda guardo em meio a tantas outras em meu celular, mas o mais bonito registro daquele dia está em minha memória. Porque é onde sua imagem se mistura ao gosto de cerveja da sua boca, às  memórias de seus lábios macios. Aquele cheiro de luxúria, bem querer e boemia. Você estava tão falante, até mais que o normal. Falava tanto, tanto, tanto que até eu que também sou verborrágica, me fiz contemplativa. Eu te ouvia, um pouco bêbada e era domingo de manhã. Eu desejei permanecer ali, naquela mistura de sol, areia, suor, ressaca e trocas intensas.  

Mas sempre soube que não permaneceria. Não! Você já havia dito que não. Depois disse que sim. Eu já havia dito que não. Depois disse que sim. Nós já tínhamos combinado que não e nunca que sim. Então, não! Seria apenas quando desse, se desse até porque nem todos os encontros eram poéticos como aquele. Você é caos. Confusão e gritaria. Era e não era. E minha impaciência me despertou para alguma sensatez. 

Mas não naquele dia. Aquele dia era a despedida, mas ninguém de nós sabia. Tinha um quê de despedida, um gosto de despedida, mas ninguém de nós sabia! Tomamos uma, duas, três cervejas no café da manhã. A despedida não queria acontecer, mas depois de várias cervejas e alguns cigarros você entrou naquele ônibus e se foi. Eu voltei pra casa, pra cama que ainda tinha seu cheiro e esse cheiro nunca saiu de lá. Eu sai. Me mudei. Depois veio o carnaval e por fim o caos da pandemia. 2020!!!

Não nos vimos mais, nem sei dizer se voltaremos a nos encontrar. É 2020 e nenhuma previsão pode haver, mas agradeço tanto a beleza daquele último encontro.  Você e Dorival Caymmi na praia de Itapuã.  Mesmo que eu nunca mais repouse meu olhar em seus olhos profundos e nunca mais sinta a textura de seus lábios (e que saudade deles!), ainda assim terá sido um dos melhores últimos encontros dessa trajetória que é a vida. 

Não importa o que não deu certo, importa o que deu. O encontro aconteceu. Sou grata. Teu lugar em meu coração será sempre de acolhimento, moradia e afeto. Um viva aos afetos. Que  logo a vida volte a ser intensa! Que os olhares se entrelacem, que a gente volte aos abraços demorados. Que a vida volte a pulsar porque somos "amor da cabeça aos pés". 

Lillian



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